Autora: Carolina
de Moura Barbati
Graduanda em Gestão de Políticas Públicas - EACH USP
Graduanda em Gestão de Políticas Públicas - EACH USP
O princípio da não afetação,
segundo Carvalho (2010), refere-se ao cumprimento da regra em que o orçamento
deve conter uma unicidade da receita e uma destinação não discriminatória às
despesas, formando-se, assim, dois conjuntos que não devem estar vinculados
juridicamente, permitindo maior flexibilidade e eficiência para o gasto
público, que direcionará seus recursos, de acordo com as suas necessidades.
No Brasil, mesmo com a Lei
4.320/64, que determina os princípios da unidade, universalidade e anualidade
do orçamento, no período, não abordouo principio da não afetação como direito
positivo, sendo apenas uma construção doutrinária, segundo Oliveira (1979), o
que não garantia seu cumprimento.
Na Constituição de 1967, a
positivação deste princípio encontrou-se em segundo plano, sendo apenas
referenciado, de forma genérica, em relação aos tributos, mas que autorizava as
afetações para demais receitas, como patrimoniais, industriais, de
transferências correntes e de capital, etc, permitindo a vinculação também de
algumas exceções tributárias. Assim, Carvalho (2010) conclui que, “[...] a
despeito de o legislador constitucional intentar frear a atividade vinculatória
do Estado, as inúmeras exceções e demasiadas modulações previstas no referido
dispositivo, tornam-no débil” (p.131).
A partir da Constituição de
1988, mudanças significativas ocorreram, discriminando melhor suas
determinações em relação a este princípio, no entanto, ainda comporta exceções
em relação a não afetação, sendo o Imposto de Renda (IR), Imposto sobre a Propriedade
de Veículos Automotores (IPVA), Imposto sobre Circulação de Mercadorias Serviços
(ICMS) alguns exemplos. Também há exceções para a destinação de recursos para a
saúde, educação e atividades tributárias, como descritono artigo abaixo.
IV - a vinculação de receita de
impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da
arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de
recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento
do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como
determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a
prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita,
previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação
da EC 42/2003).
O orçamento brasileiro vem, lenta
e progressivamente, alcançando uma redução no nível de discricionariedade da
alocação dos recursos, porém para tal criou mecanismos que de certa forma
manipulam o texto constitucional através de Emendas Constitucionais (EC),comoaDesvinculação de Receitas da União (DRU). Esta visa dar mais liberdade ao gestor, porém é
uma medida paliativa, prorrogada de forma deliberada, sem uma discussão real
sobre uma reforma fiscal a fim de se revisar o sistema de vinculações.
A DRU surgiu após EC de 1º de março de 1994 como parte do
pacote da criação do Fundo Social de Emergência (FSE) que visava estabilização
econômica no país durante o período da implantação do Plano Real. Este
mecanismo temporário, cuja ideia era ser um auxílio a flexibilização da
alocação de recursos, enquanto as reformas fiscais não eram aprovadas, foi
alterado pela EC nº 10 e prorrogada período após período até a recente EC nº. 68/2011
que prorrogou a DRU até ano de 2015. Tal medida mostra o quanto o engessamento
que ainda existe na vinculação dos recursos, precisa levar os governos a ainda
se submeter à discussão a este tipo de manobra. A discussão que entra em pauta
neste caso é:conferir maior vinculação ao orçamento com redução da
discricionariedade administrativa, havendo o risco de se provocar engessamento
estatal, ou abrir possibilidade para maior flexibilidade na aplicação dos
recursos públicos, com o consequente risco de inefetividade das políticas
públicas e desvio de recursos? (FERREIRA, 2012).
Esta
discussão acontece por se levar em conta que a questão orçamentária não é apenas
umponto meramente contábil, mas sim um instrumento político, agente direito da
intervenção estatal e representante indispensável de um plano de governo. Sendo
assim, Torres (2011) considera que:
As vinculações das receitas
de impostos têm a desvantagem de engessar o orçamento público, e, se não
reservadas à garantia de direitos fundamentais, tornam-se meras políticas
públicas constitucionalizadas, como aconteceu com boa parte das despesas com a
saúde e a educação nos últimos anos. (TORRES, 2011)
A não vinculação de receitas tem um papel fundamental na
construção das políticas públicas. Tirar do gestor a liberdade de priorizar e
alocar é transformar a máquina estatal numa mera reprodutora de políticas,
reduzindo assim até a liberdade democrática de escolha de um gestor, pois o
representante eleito por suas acepções ideológicas estaria sujeito à normas e
regras engessadas- anacrônicas em relação as dinâmicas mudanças econômicas e
sociais.
Régis Fernandes de Oliveira (2011) nos deixa um
elucidativo aprendizado:
O Estado deve ter
disponibilidade da massa de dinheiro arrecadado, destinando-o a quem quiser,
dentro dos parâmetros que ele próprio elege como objetivos preferenciais. Não
se pode colocar o Estado dentro de uma camisa de força, minguando seus
recursos, para que os objetivos traçados não fiquem ou não venham ser
frustrados. Deve haver disponibilidade para agir. (OLIVEIRA, 2011).
É preciso
que a legislação priorize os instrumentos de efetivação dos direitos
constitucionais garantidos, mas esta não pode cair na intrincada contradição de
ser justamente o mecanismo que impede tal concretização.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CARVALHO,
André Castro. Vinculação de receitas
públicas e princípio da não afetação: usos e mitigações. Dissertação
(Mestrado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário) – Faculdade de
Direito, Universidade de São Paulo, 2010.
BRASIL.
Secretaria de Orçamento Federal. Vinculações
de Receitas dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade
Social e o Poder Discricionário
de Alocação dos Recursos do Governo Federal. Brasília: MPOG, 2003.
FERREIRA, Francisco Gilney
Bezerra de Carvalho. Desvinculação das
receitas da União e livre alocação dos recursos orçamentários: o jeitinho
brasileiro. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3208, 13 abr. 2012.
Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/21510>. Acesso em: 15 de maio
2016.
OLIVEIRA,
Austen da Silva. Aspectos
Constitucionais e legais do orçamento público. Dissertação (Mestrado em
Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 1979.
OLIVEIRA,
Regis Fernandes de. Curso de Direito
Financeiro. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
TORRES,
Ricardo Lobo. Curso de Direito
Financeiro e Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011.