Pesquisar este blog

terça-feira, 20 de outubro de 2015

BRASÍLIA: o berço da democracia em tempos de contestação democrática

Autor: Felipe Lima Santos
Graduando em Gestão de Políticas Públicas - EACH USP


“Quem lê muito e viaja muito, muito vê e muito sabe.” 

Dom Quixote, Miguel de Cervantes, 1605.


Era por volta do meio dia, no mais preciso horário de Brasília, quando chegamos ao nosso destino. Estávamos já há cerca de 15/16h na estrada, rumo à capital do país para a execução de uma disciplina, a Cidade Constitucional IX, que basicamente é composta por uma visita à Brasília e aos diversos órgãos do governo lá localizados, digo “basicamente” pois na prática o projeto é bem mais do que uma simples viagem acadêmica. A iniciativa nos permite romper com a sala de aula e nos possibilita a irmos além dos muros que cercam a universidade, nos proporcionando uma experiência única de aprendizagem onde podemos interagir de formar dinâmica com o direito aplicado na sociedade e com as instituições da república. Tal experiência serviu, entre tantos outros acréscimos culturais, intelectuais e acadêmicos, para nos incentivar a criatividade nas diversas maneiras de resolução de problemas na gestão de políticas públicas, além de propiciar novas ideias e novos rumos para escolhas pessoais de cunho profissional e acadêmico. 

Após horas na estrada, depois de cruzar paisagens que se modificavam quase que com a mesma rapidez com que o sol vira nuvem chuvosa em São Paulo, saindo das mais verdes vistas e lentamente chegando a cenários quase que desérticos, que por vezes me faziam devanear em momentos de distração, achando que estávamos em uma viagem rumo à região do nordeste brasileiro, tamanha a semelhança ao semiárido. As pausas durante a viagem, feitas a cada três horas (o que me parece ser uma regra da USP, não tenho certeza) além de revigorantes, serviam, ao menos para mim, para vermos aos poucos estas mudanças drásticas de clima e horizontes que passamos durante nossa trajetória. Contudo, apesar do cansaço, do calor, e das horas a fio sem banho, havíamos chegado, enfim, à gloriosa Brasília, palco de tantos acontecimentos, musa de tantas letras.

Logo de início, já deu para perceber a evidente polarização política pela qual o local passava, já naquele dia, 6 de Setembro. Um dia antes do tão aguardado por muitos, seja para protestar contra ou mesmo para manifestar seu apoio ao governo federal, 7 de Setembro; o dia da Independência, dia em que Dom Pedro deu seus famosos gritos de libertação nos arredores do Ipiranga. Os sinais, tanto da discórdia como da concórdia, estavam espalhados em diversos pontos da cidade; desde pichações contra o governo até as que mostravam seu apoio. Dentre estas uma me chamou bastante atenção, quando ainda estava dentro do ônibus: se tratava do já manjado bordão, muito utilizado pela direita e pelos oposicionistas, o famoso “fora Dilma”, escrito em uma parede; porém, alguém utilizando da mais sagaz inteligência e criatividade, e, por que não dizer, improviso, fez do “F” da frase um “B” modificando-a para um simpático “bora Dilma”, decorando ainda com uma flor e um singelo “te amo” ao lado. Devo dizer, que esta simples e até cômica imagem evidencia fortemente para mim como anda extremamente dividida a opinião pública atual do país. Lembro-me com clareza, que, a primeira cena que notei ao descer do ônibus foi uma família, aparentemente de turistas, que estava tirando fotos em frente ao Congresso Nacional ao lado de uma placa indicativa. Uma senhora, bem trajada, que aparentava ter uns 65 anos, provavelmente da mesma família, posava ao lado da placa que indicava que ali era o Congresso ao mesmo tempo em que fazia um gesto com o polegar para baixo, uma espécie de “joia” negativo, indicando uma evidente insatisfação ou desarmonia com o que aquele prédio ou monumento representava.

Palácio do Planalto
Porém, naquele dia 6, se houveram gritos, não foram de libertação, mas sim de reclamação contra o onipresente e onipotente sol de Brasília, que, naquele início de tarde, poderia muito facilmente estar beirando os 33º/34º C. O clima, assim como muitos dos principais políticos de Brasília, é austero, e, muitas vezes, implacável. Não era à toa que as recomendações iniciais eram de que levássemos protetor solar, e água, muita água. Hidratar-se com frequência é algo de extrema importância quando se está em um local de clima quente e seco, como é o caso de Brasília. Lembro-me reitor da UNB, José Geraldo, em uma de nossas últimas palestras, referir-se ao clima de Brasília comparando-o ao de um deserto. E posso dizer, por experiência própria, que é bem por aí mesmo. Narinas secas, garganta áspera e olhos vermelhos e lacrimejantes foram a principal companhia de muitos dos integrantes da Cidade Constitucional IX durante aqueles dias.

Contudo, ainda estamos no começo de nossa viagem e ainda tenho muitas coisas para contemplar; e o clima é apenas um pequeno detalhe nessa imensidão de aprendizados e experiências que foi nossa viagem acadêmica à Brasília. Procurarei ser breve e direto sobre meus comentários perante a viagem para que o texto que vos apresento se torne uma leitura simples e agradável, ao invés de maçante extensa.

Iríamos já naquele instante, assim que descêssemos do ônibus, fazer nossa primeira visita, e em grande estilo: o Palácio do Planalto. Após ficarmos um tempo esperando em uma longa fila, entre estudantes e turistas, e sentarmos enquanto assistíamos à uma espécie de vídeo de explanação, que orientava e mostrava curiosidades e dados sobre Brasília e sobre o Planalto; adentramos o famigerado prédio. A segurança, logo de início, impressionava. Era tudo muito bem organizado, com aparatos e profissionais que aparentavam ser, pelo menos à primeira vista, da mais alta categoria. Já dentro do prédio, obras de arte, quadros e retratos aos montes. Parecia que tudo ali presente tinha algum tipo de valor, senão histórico, econômico; e os olhos atentos assim como a voz firme dos seguranças que nos acompanhavam deixava claro que não estávamos em um simples prédio de arquitetura exótica. O Palácio do Planalto, realmente era tão grandioso por dentro como era por fora. Desde o gabinete da presidência até os corredores, cada canto do Palácio guardava seus objetos de prestígio e impunha seu respeito por si só. Contudo, uma coisa que me atraiu bastante a atenção, ainda antes de adentrarmos o Planalto, foram algumas das normas de segurança. Entre elas, estava o fato de não podermos entrar com garrafas contendo água ou qualquer outro tipo de líquido. Quando indagados sobre o porquê de tais regras, um dos seguranças afirmou que era para não correrem o risco de alguém tentar molhar algum quadro da presidenta, coisa que, segundo ele, já havia ocorrido. Entendo que estejamos passando por uma crise, tanto política quanto econômica, contudo, o que não entendo é a revolta de alguns contra uma chefe de estado que tem, por exemplo, sua honestidade reconhecida até mesmo por políticos de oposição. Além disso, me espanta saber que haja alguém que considere um ato como o de jogar água em um retrato, ainda mais no de uma figura presidencial, um gesto de protesto legítimo, quando, no mesmo prédio haviam retratos de líderes do período ditatorial brasileiro, que, aposto, não foram vítimas da fúria aquífera de manifestante algum. Contudo, partindo da ideia da seguinte frase: “é preciso ter cultura para cuspir na estrutura”; parece-me que falta um pouco de cultura no indivíduo que pratica este tipo de “protesto”.

E protesto foi algo que não faltou com a chegada do tão esperado 7 de Setembro; se bem que seria muita boa vontade de minha parte ou mesmo falta de politização chamar aquele evento altamente sonoro e mal executado de protesto ou mesmo de reivindicação legítima, pois um evento no qual há um trio elétrico tocando músicas que se encaixariam melhor em qualquer festa ou comemoração e com algumas pessoas falando ao microfone, as quais propiciavam aos ouvintes uma força de vontade sobre humana para não caírem na gargalhada perante os absurdos que estes falavam. Pensando bem, qualquer pessoa mais desavisada que passasse por ali e avistasse tal algazarra, confundiria facilmente o dito protesto com um ensaio de escola de samba ou um carnaval fora de época. Pois bem, meu caro leitor, minha cara leitora, vamos parar um pouco com as críticas aos reacionários e continuar as impressões sobre esta terra maravilhosa que é Brasília e o que ela teve a nos oferecer.

Naquele dia acordamos cedo, em torno das 5 da manhã e partimos rumo ao Palácio da Alvorada, morada da presidente da república. Chegando lá, o amanhecer dava um tom especial ao local, exaltando sua beleza de forma única. Aproveitando da situação e do sol que aos poucos se erguia por detrás das árvores, muitos tiraram fotos, do palácio e dos peixes que nadavam por entre eles mesmos dentro do lago artificial que rodeava o local. Após um tempo, uma tropa de soldados passou marchando por ali, com armas em punho, pisadas fortes e caras fechadas, tudo conforme o requisito. Pouco tempo depois, voltamos para o ônibus e seguimos para o desfile. 

Palácio da Alvorada
Contudo, algo que me chamou bastante atenção durante o 7 de Setembro, além do desfile, que mais parecia um empório das forças armadas do que de fato um desfile cívico, que é o que deveria ser; foi o número de policiais que perambulavam nos arredores do Planalto, muito bem equipados, com cães, viaturas, armas, coturnos, boinas e tudo mais. Essa foi a primeira vez que vi o desfile de independência diretamente de Brasília, portanto, não sei dizer se a quantidade de policiais é sempre aquela, ou se esta é somente mais uma evidencia de nossa situação política atual, na qual o número de policiais teria que ser suficiente para conter manifestantes, caso estes tentassem uma investida contra o Palácio, assim como aconteceu naquele fatídico dia de junho de 2013, quando uma multidão tomou a parte exterior do Planalto e fez do ato símbolo das manifestações daquele período. No mais, lembro-me de quando anunciaram a chegada da presidente para dar início ao desfile, e um coro de vaias iniciou-se, que logo foi encoberto pelo número de palmas que eu e outros tantos batiam. Mais uma vez, deixo aqui registrado o quão dividida está a opinião pública ultimamente.

Praça dos Três Poderes
Após a visita ao Planalto, seguimos em direção ao Palácio do Itamaraty, que é também a sede do Ministério das Relações Exteriores; onde veríamos mais algumas obras de arte e objetos que fizeram parte da história do Brasil. Entre eles, me dou ao luxo de destacar alguns objetos pessoais de personagens históricos brasileiros, como a mesa na qual a Princesa Isabel teria, assinado os termos da Lei Áurea, além de um enorme tapete, dado como presente pela realeza inglesa ainda durante a época da colonização. A mesa, de madeira escura e, à primeira vista, precariamente envernizada, talvez por todos esses anos em exposição, passava uma espécie elegância e formalidade singular; o tapete, enorme e de tom avermelhado, ocupava quase todo o piso do salão e era um tanto quanto “surrado” por assim dizer, o que pode ser explicado, provavelmente, pelos diversos pisoes acidentais dos visitantes em cima da peça histórica. Com uma vasta lista de composições artísticas, o local possui ares de museu, e conta com um enorme salão de jantar que já foi sede de prestigiados eventos envolvendo presidentes e políticos importantes.

Entretanto, apesar de as obras de arte serem belas e os quadros magníficos e eu ter, particularmente, desfrutado bastante dessa parte da viagem, creio que as palestras, assim como as visitas que fizemos e, principalmente, as impressões que pudemos criar a partir de tudo isso, são o forte da Cidade Constitucional, tanto desta quanto das outras que virão. E nesta nona edição da matéria, tivemos o prazer de assistirmos a excelentes palestras, ministradas por excelentes profissionais. Não pretendo enumerar aqui cada uma delas, nem considero que este seja o propósito deste trabalho, mas discorrerei sobre as que tiveram maior significado para mim, seja este de cunho acadêmico ou prolífico.

Sede da ESAF
Seguindo tal linha de pensamento, iniciarei com uma das primeiras palestras que vimos, já na Escola de Administração Fazendária, a ESAF, que tem sua sede localizada em Brasília e foi onde ficamos hospedados durante toda a semana da Cidade Constitucional. Rai de Almeida, diretora adjunta da escola, que nos recebeu com bastante entusiasmo, foi a primeira palestrante e nos apresentou um pouco do que era a ESAF. Sei que não posso falar por todos, mas creio que a estadia na ESAF, foi um dos pontos altos do passeio e tenho certeza que todos os estudantes ficaram satisfeitíssimos com o “alojamento” (digo entre aspas, pois chamar aquele quarto de dois andares, com televisão, telefone, internet e geladeira de simples alojamento, seria demasiada modéstia de minha parte). O local, não muito diferente de um campus de faculdade, era cercado de verde, com várias árvores e plantas espalhadas por cada lugar. Lembro-me que, durante uma caminhada noturna em nosso tempo livre, nos deparamos com diversos girassóis que foram plantados de forma que acompanhavam uma das pistas de entrada da escola, e mesmo à noite, quase sem luz, aquilo já emanava uma exótica beleza. Sempre achei que o ambiente tem bastante influência sobre o estudante, e ter a possibilidade de estudar na ESAF, e poder usufruir de toda aquela estrutura e beleza local, com certeza deve ser uma motivação a mais, além de deixar ótimas impressões nos alunos.

E motivação foi o que senti vendo a maioria das palestras durantes estes dias de estadia na escola de administração fazendária. Entre elas, lembro-me da palestra ministrada por José Geraldo de Souza Jr., reitor da Universidade de Brasília (que já citei anteriormente durante minha revolta contra o calor brasiliense); na qual, durante seu discurso relata o histórico da participação política popular no Brasil desde a época da ditadura, fazendo também uma correlação com a história da UnB. Ao discorrer sobre a participação popular nas diversas redes sociais, algo muito praticado hoje em dia, porém muitas vezes sem a sapiência necessária para tal. Ou melhor, sem a coragem de militar nas ruas aquilo que se diz com tão grande teor na internet.

Alexandre Motta, diretor geral da ESAF, falou-nos sobre o quão importante é a doação de qualquer funcionário da área pública para com a população. Não uma doação em dinheiro ou espécie (se bem que, por vezes, tal ato pode muito bem ajudar também, por que não?), mas uma doação de corpo, de alma e de vontade. Uma vontade de melhorar o seu trabalho, seu ambiente de atuação, e, com isso, melhorar também a vida do cidadão comum e o ambiente no qual ele vive. Acho que esta, talvez, seja a real missão, por assim dizer, de qualquer gestor de políticas públicas, ou gestor público; não apenas fazer seu trabalho da melhor maneira possível, mas ter certeza de que o alvo final de sua assistência, o cidadão, está sendo assistido também da melhor maneira possível.

Sair de São Paulo rumo à Brasília, é o tipo de viagem que mostra o quão extenso e diversificado é o nosso país, fazendo-me lembrar das viagens em família que já fiz ao de carro, e um ponto alto que guardo destas viagens é a estrada. A estrada, que nos liga aos mais distantes pontos do Brasil, por vezes, faz com que criemos um caminho novo para dentro de nós mesmo, da nossa consciência, lembrando-nos que o local onde moramos, nossa casa, bairro ou cidade, não é o único lugar no mundo; faz-nos lembrar de desviar um pouco o olhar do nosso próprio umbigo e enxergar que o Brasil é mais do que as famosas cidades com arranha céus e avenidas congestionadas. Acredito que a política, assim como os órgãos públicos, os funcionários públicos e principalmente os estudantes de universidades públicas, todos estes que usufruem da coisa pública, ou da chamada res pública, têm uma espécie de compromisso com o povo brasileiro e a viagem à Brasília só fez reforçar este sentimento de retribuição para com o povo. É para isso, creio eu, que existe um lugar como Brasília, que existem os gestores públicos e nós, estudantes da área pública, não apenas para trabalharmos e criarmos um Brasil melhor para nós ou para nossos filhos e filhas, mas para fazermos nosso melhor pelo povo brasileiro. Nosso país, apesar dos avanços nas áreas econômicas e sociais, ainda está cheio de gente de pés descalços, que vive em vilarejos de beira de estrada, menores do que muitos bairros paulistas, gente que dá o sangue e parte da alma para sobreviver nesta selva civilizada (às vezes nem tanto) chamada Brasil, e é por elas e para elas que devemos transformá-lo. 


Para finalizar, deixo aqui, minha exaltação à viagem e às novas ideias e perspectivas proporcionadas por ela, como disse Henry David Thoreau em sua obra Walden (1854): “Seja um Colombo para novos continente e mundos inteiros dentro de você, abrindo novos canais, não de comércio, mas de pensamento.”

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário foi publicado. Obrigado por visitar o pensalítica.